terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Gole

gole

e aí o amor se calou.
sua mudez me embasbacou.
mas o café continuava ali, cintilando.
quando foi que o ar secou assim? eu não saberia dizer.
quando foi que os meus olhos piscaram lentamente demais pra me fazer perder tanto? eu não saberia dizer.
e perdida eu duvidei dos sentidos. quis não despejar o leite de costume na xícara.
já duvidava de sua cor, de seu sabor. duvidava de seu estado, volume, existência.
eu havia morrido sem perceber, a ponto de não saber nem mesmo o limite entre o antes e o depois.
como iria agora acreditar em algo tão palpável? tão ali?
era tudo uma farsa.
meus sentidos mentiam.
a sombra daquele amor fora mais real que tudo aquilo.
não conseguiria dividir minha vida daquele amor.
tudo é um, um é tudo - essas filosofias orientais, paralelamente, pululavam na minha cabeça enquanto o ambiente
esfriava o café.
eu me dividira sem poder. não havia resistência suficiente para aquele novo ser manter-se.
mas veio, como que um tombo inesperado, a ideia de que um amor mudo não é um amor morto.
despejei na pia o café frio. servi novamente o café quente da garrafa.
olhei para o leite. pensei em sentidos.
pensei com meu olfato, com meu tato, com meu paladar. minha visão embaçada talvez fosse covarde demais para acreditar.
e minha audição, caída em desuso, desanimada demais para acreditar.
o leite e o café juntos.
eu era um novo ser. mas não metade do antigo.
ao pé da nuca senti a respiração rarefeita do amor, como se fosse uma explicação de que se de mim viera, só para mim teria sentido.
e ao mudar a forma de senti-lo, acalmei-me.
e no segundo gole, o café com leite já havia acabado.
e no segundo gole, eu já admirava o amor dormindo. com a respiração calma.
mudo em sono. mas vivo.
esperando o despertar.
despertar dele.
e despertar meu.

2 comentários:

Neto Villa-Rica disse...

"Esse é o primeiro post que posso chamar de meu contemporâneo, ele não nega os outros... Gosta da sua destreza ao escrever, espero o próximo!”

iuli disse...

Bonito, flor. =)